quarta-feira, 23 de maio de 2012

Carta Mensal - Junho de 2012


Tournay, 15 de maio de 2012.

            A vocês todos EM BUSCA DA PAZ,
                        Paz!
            Uma das coisas que mais me chama a atenção, aqui na Europa, é a total reconciliação que se produziu entre franceses e alemães.  Dois países que, por mais de setenta anos, se afrontaram em três grandes guerras (a de 1870, quando os alemães anexaram as regiões entre França e Alemanha, Alsácia e Lorena; a de 1914-1918, vencida pelos franceses com condições humilhantes para os alemães; a de 1940-1945, que culminou na derrota do nazismo) e que por muito tempo nutriram ódios profundos entre eles, são capazes hoje de viver fraternalmente, sem nenhum ressentimento, nem rancor, cimentando a unidade europeia. Nada, absolutamente nada, hoje, nos faz imaginar que estes dois países nutriam mutuamente uma rivalidade mortal.
            Várias pessoas e entidades trabalharam para que isto acontecesse. Entre os homens de Estado se destacam: o alemão Konrad Adenauer (1876-1967) e  o francês Robert Schuman (1886-1963), considerados hoje como “pais da Europa Unida”, dados o empenho e a firmeza com que se dedicaram a esta obra. Num plano mais espiritual, devemos lembrar o padre alemão Franz Stock (1904-1948), pároco da Paróquia alemã de Paris a partir de 1933; durante a ocupação foi capelão das prisões; após a guerra, reitor do seminário dos prisioneiros alemães. Morreu de esgotamento como apóstolo da reconciliação e paz. Importante atuação também exerceu o movimento católico “Pax Christi”, fundado em 1945, com o nome de Movimento para a Reconciliação franco-alemã, por iniciativa de Mgr. Pierre-Marie Théas, na época bispo de Montauban, França, e por uma professora francesa, Marthe Dortel-Claudot: tendo se posicionado claramente durante a ocupação nazista contra deportação de judeus, Mgr. Théas assume, durante a libertação, ele prega o amor e a reconciliação com os antigos inimigos.
            Este exemplo da França e da Alemanha nos faz acreditar na possibilidade de transcender os conflitos e de efetivar uma profunda reconciliação, ultrapassando os preconceitos, os ódios, os ressentimentos, os rancores e as divisões. Sobretudo, isto nos faz acreditar mais do que nunca na paz; que ela é possível e não é uma quimera quando se trabalha seriamente por ela, em todas sua dimensões: políticas, sociais, econômicas, culturais, espirituais, religiosas, etc.
            Tendo frente a nós este belo testemunho,  convido vocês a rezarem este mês pela reconciliação entre povos e nações no mundo. Sobretudo, alguns conflitos que parecem se perpetuar à causa da ausência de uma perspectiva de conjunto para sua solução. Pensemos, entre outros: no conflitos entre israelenses e palestinos; nos conflitos entre tribos na África; nos conflitos entre facções no interior de vários países; nos conflitos e rivalidades entre duas ou mais nações que se consideram inimigas. Rezemos especialmente por todas pessoas e grupos que trabalham para superar estes ódios, frequentemente considerados como ingênuos e sonhadores e, muitas vezes, como traidores do seu grupo ou do seu povo.
            Colocando nos mais profundo dos nosso ser todas estas situações de divisão, rezemos assim:
Ó Deus de toda paz, tu enviaste o Cristo, nossa paz, para derrubar o muro de separação existente entre os povos e fazer de toda a humanidade um só povo, fazendo morrer o ódio (Cf. Ef 2,14-15), nós te pedimos por todas as pessoas e grupos que se aplicam a trabalhar pela reconciliação e superar as mais diversas situações de conflito: que não se deixem tomar pelo desânimos, que resistam à críticas e perseguições, que tenham inventividade para propor novos caminhos. Sobretudo, para que sejam animados profundamente do Espírito de Unidade, este Espírito que reúne no Cristo a diversidade de culturas e visões. Por Cristo, Senhor nosso.

            Com amizade,

D. Irineu Rezende Guimarães, O. S. B.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Carta Mensal - Maio de 2012


Tournay, 30 de abril de 2012.

            Queridos amigos e amigas EM BUSCA DA PAZ,
                        Paz!
            No dia 15 de maio, muitos grupos e organizações pacifistas celebram o Dia Mundial da Objeção de Consciência. Em geral, a objeção de consciência se aplica ao serviço militar ou à participação em guerras, mas pode ser aplicada a outros casos, como, por exemplo, como Martin Luther King que se recusou a obedecer as leis que segregavam os negros americanos. A objeção de consciência é um direito que as pessoas possuem de recusar “em consciência a seguir as prescrições das autoridades civis se forem contrárias às exigências da ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho” (Cf. Catecismo da Igreja Católica, 2242). Leis injustas colocam as pessoas diante de problemas dramáticos de consciência: quando são chamados a colaborar em ações moralmente más, têm a obrigação de recusar. Além de ser um dever moral, a objeção de consciência é também um direito humano fundamental.
            O cristianismo muito contribuiu para o desenvolvimento deste princípios com sua visão de liberdade e consciência. No livro dos Atos dos Apóstolos, as autoridades religiosas proíbem aos apóstolos de anunciar o nome de Jesus Ressuscitado. Questionados porque não acatavam essa determinação, eles responderam: “Importa obedecer mais a Deus do que aos homens” (At 4,19).
            O desenrolar da história da Igreja oferece muitos exemplos de objetores de consciência. O padroeiro dos objetores é São Maximiliano, martirizado em 295, em Teveste, África do Norte, com a idade de 21 anos, por causa de sua recusa em fazer o serviço militar. Durante o processo, ele afirmou: “Eu não posso servir, eu não posso fazer mal, pois eu sou cristão”. E acrescentou: “Eu sirvo ao Cristo, pois ele é o príncipe da vida, o autor da salvação”. Lactâncio (+325), escritor cristão também da África do Norte, afirmava o absoluto da ordem divina de não matar: “Quando Deus proíbe de matar, ele não proíbe somente o assalto, ilícito mesmo para as leis do Estado, mas ele nos convida mesmo a não fazer os que os homens tem por lícito. É por isso que o justo não pode ser soldado, pois o serviço militar do justo é a justiça mesma” (Cf. Instituições Divinas, VI,20,15). De exemplos recentes, temos o testemunho de Franz Jägerstätter, beatificado em 2007. Pai de três filhas, ele se recusou a servir o exército nazista por razões de sua fé cristã. Preso, foi condenado à morte e decapitado em 9 de agosto de 1943: ele é um dos testemunhos contemporâneos desta força da consciência.
            Fora dos círculos cristãos, temos muitos exemplos de objetores de consciência que se recusam a fazer o serviço militar, arcando com a prisão a consequência de suas decisões. Também é conhecido o movimento Yesh Gvul (“Há um limite”), reunindo pessoas que recusam de servir ao exército israelense ou mesmo soldados que não aceitam participar de atos repressivos. Muitos oficiais israelenses foram presos porque não aceitaram participar de ações militares repressivas.
No mês passado, rezamos pelo desarmamento: nenhum centavo para a guerra! Este mês rezamos pelos objetores: nenhuma pessoa para a guera! Nesta intenção, rezemos assim:
“Ó Deus de toda paz, tu criaste o homem e a mulher à tua imagem e semelhança: no santuário da consciência de cada pessoa humana, tu te fazes presente e tu nos conduzes a seguir na trilha dos teus mandamentos. Nós te pedimos por todos aqueles que, fiéis à teu mandamento de “não matar”, recusam à colaborar com toda violência, sendo por isto sancionados pela sociedade. Que eles permaneçam firmes na fidelidade às tuas leis. Que a força desta profecia inspire a humanidade a concretizar a visão do profeta Isaías: “Ninguém mais será treinado para a guerra!” (Cf. Is 2,4). Por Cristo, Senhor nosso.”


            Com amizade,

D. Irineu Rezende Guimarães, O. S. B.